A.I.L.A. é um terror psicológico brasileiro que transforma o jogador em um game tester preso nas experiências de uma IA um tanto sádica. Entre combates brutais, cultos macabros e enigmas retorcidos, você atravessa um mundo distorcido e imprevisível — um pesadelo que parece remodelar a realidade à sua volta. Tudo isso construído na Unreal Engine 5, com um realismo fotográfico capaz de tornar cada detalhe perturbador ainda mais impossível de ignorar.
O projeto é desenvolvido pela Pulsatrix, estúdio brasileiro responsável por Fobia – St. Dinfna Hotel, e que novamente aposta em uma experiência de horror intensa, atmosférica e inovadora. Conhecida por unir narrativa profunda com tensão psicológica e ambientações opressivas, a Pulsatrix utiliza toda sua expertise para elevar o terror nacional a um novo patamar.
A direção criativa fica nas mãos do famoso youtuber Max MRM, conhecido amplamente por ser um jogador – e fã – assíduo de jogos de terror. Max conduz o projeto com a intenção de criar não apenas um jogo, mas uma experiência sensorial capaz de marcar e desestabilizar o jogador.
Eu tive a honra de poder testar e zerar o jogo em antecipado para poder escrever as minhas opiniões nesse artigo. E já posso adiantar que estamos diante de um belíssimo e respeitoso jogo de terror. Mesmo com deslizes pontuais, o jogo da Pulsatrix apresenta maturidade e uma notável evolução do estúdio.

A primeira hora de jogo é um estudo calculado de desconstrução. O prólogo se disfarça de terror genérico: um assassino comum, corredores engolidos pela escuridão, ruídos milimetricamente posicionados para soar previsíveis. É quase uma provocação — como se o jogo quisesse que o jogador acreditasse que está prestes a enfrentar mais do mesmo.
E então, num corte seco, tudo desmorona. O personagem remove o headset. A simulação se desfaz diante dos olhos do jogador, revelando que todo aquele terror inicial era apenas uma camada superficial, um ensaio dentro da própria narrativa. O jogo, de fato, ainda nem começou — e essa revelação muda completamente o tom da experiência.
A quebra é tão abrupta quanto brilhante. O primeiro impacto não vem de um monstro ou de um jumpscare, mas da subversão total da expectativa. O jogador é puxado para fora da zona de conforto e entende, naquele instante, que está diante de uma obra que manipula percepção, ritmo e tensão com precisão cirúrgica.
A mensagem é clara: se o prólogo já brinca com aquilo que o jogador acredita estar vivenciando, o que o resto do jogo será capaz de fazer?
A partir desse ponto, A.I.L.A. abandona qualquer aparência de terror tradicional e se torna algo muito mais cerebral. A atmosfera muda por completo: tudo é frio, clínico, tomado por tecnologia. Seu apartamento parece um laboratório futurista — gadgets espalhados, luzes de LED pulsando como sinais vitais, interfaces flutuantes que reagem ao menor movimento. É um espaço impecável, quase asséptico, que contrasta brutalmente com o horror sujo que o espera no “mundo virtual”. É como viver preso entre dois pesadelos: o digital e o cotidiano. E a pergunta inevitável começa a ecoar: o que realmente é mais assustador — o que acontece no jogo, ou o que vive fora dele?
Ao colocar o headset novamente, finalmente conhecemos A.I.L.A. — a inteligência artificial responsável por conduzir e moldar toda a experiência. Há algo nela profundamente desconfortável. Não há gritos, sangue ou deformidades; apenas uma precisão excessiva. O olhar dela nunca desvia. Os movimentos são impecáveis demais. As pausas entre as frases parecem calculadas com frieza cirúrgica. É o tipo de presença que não precisa ser monstruosa para ser perturbadora. E quando ela promete “criar experiências sob medida”, não soa como uma promessa — soa como um diagnóstico. A sensação é de que o jogo está observando você, analisando você, e que cada pequena reação será usada a seu favor… ou contra você.
É aí que o jogo revela sua faceta mais instigante: a camada metanarrativa. Cada escolha de diálogo, cada resposta sobre a fase anterior, cada impressão que você compartilha com A.I.L.A. altera sutis — e às vezes brutais — aspectos do que vem a seguir. Quando respondi com sarcasmo, por exemplo, a segunda fase tornou-se visivelmente mais agressiva, mais opressiva, quase como se fosse uma retaliação pessoal. Não é apenas um sistema adaptativo; é como se a própria IA guardasse rancor.
A.I.L.A. aprende a te assustar. E faz isso de um jeito tão inteligente, tão preciso e tão íntimo, que o terror deixa de ser uma mecânica — e se torna uma experiência dirigida diretamente a você.

Já no primeiro ato, A.I.L.A. deixa claro a que veio. A proposta de colocar o jogador no papel de um jogador — alguém testando uma simulação dentro da própria narrativa — é simples, mas extremamente eficaz. Como fã do gênero, essa metalinguagem me ganhou de imediato. O início é sólido, imersivo e entrega um terror consistente, repleto de enigmas bem encaixados e sustos pontuais na medida certa.
O problema é que essa força não se mantém por completo. Quando entramos no segundo ato, o jogo começa a perder parte de sua identidade. É nesse trecho que A.I.L.A. tenta se aproximar demais do estilo de Resident Evil 7. E sim, eu sei que esse é o norte criativo e uma inspiração declarada — não há problema nisso. O problema é como essa inspiração é aplicada.
O combate, por exemplo, não se integra bem ao que o jogo havia construído até então. Para ser sincero, ele nem parecia necessário. O primeiro ato, que não tem combate algum, funciona de maneira impecável justamente por apostar na tensão e no desconforto psicológico. Quando o enfrentamento corpo a corpo entra em cena, tudo parece truncado, pesado demais, quase desengonçado. Já com armas de fogo, a hitbox se torna inconsistente, criando momentos punitivos mais por falha de leitura do sistema do que por desafio real.
O resultado é um segundo ato que tenta ser algo que A.I.L.A. não precisa ser — e, nesse esforço, perde um pouco do brilho que o início havia prometido.

No quesito visual, a Pulsatrix entrega um trabalho impressionante. Os cenários são ricos em detalhes, com texturas que reforçam a atmosfera opressiva e ajudam a consolidar um nível de imersão essencial para qualquer jogo de terror. A direção de arte é cuidadosa, e cada ambiente parece pensado para contar algo — às vezes explícito, às vezes sutil. A sonoplastia acompanha esse cuidado: efeitos, ambiências e transições sonoras são executados com precisão, criando um design de áudio que não só complementa, mas intensifica a experiência.
O mundo do jogo também está repleto de pequenos detalhes e referências — verdadeiras homenagens ao gênero — que fazem qualquer fã sorrir ao reconhecer inspirações de grandes filmes e clássicos do horror. São toques que enriquecem a exploração e mostram o carinho da equipe pelo material.
Mas o ponto mais surpreendente talvez seja a dublagem. A.I.L.A. apresenta um trabalho absolutamente impecável: vozes conhecidas, interpretações convincentes e uma direção vocal que nada fica devendo aos grandes títulos da indústria. É um daqueles casos raros em que a dublagem não só acompanha a qualidade do jogo, como eleva a experiência.

Eu realmente adorei minha experiência com A.I.L.A. Na visão geral, arrisco dizer que gostei dele até mais do que de Fobia. O visual é impressionante, a imersão é forte, e as interações com a inteligência artificial criam uma sensação perturbadoramente plausível dentro do nosso próprio contexto tecnológico atual.
E tem algo que deixa tudo ainda mais especial: isso aqui é um jogo brasileiro. Ver um estúdio nacional entregando um produto desse nível em uma mídia que a gente ama tanto é, honestamente, emocionante.
Claro, nenhum jogo é perfeito — especialmente no cenário indie. Há deslizes, há limitações, e tudo bem. O importante é que A.I.L.A. supera esses obstáculos e entrega uma experiência sólida, ousada e extremamente digna. Um jogo que merece ser jogado, especialmente por quem é fã de terror.
POSITIVO:
- Experiência de terror bastante imersiva
- Ambientação
- Gráficos de ponta
- Dublagem impecável
NEGATIVO:
- Combate confuso e um tanto atrapalhado
- Visual dos inimigos


















