Metal Gear Solid Δ: Snake Eater é um remake completo de Metal Gear Solid 3 (2004), reconstruído do zero na Unreal Engine 5. O resultado é um visual totalmente repaginado, um novo sistema de câmera sobre o ombro e uma série de ajustes pontuais. Ainda assim, o jogo ocupa um espaço curioso dentro do conceito de “remake”: por um lado, re-imagina a obra clássica com tecnologia de ponta; por outro, permanece rigidamente preso à ideia de “preservar” a experiência original.
Essa devoção quase religiosa ao material de base faz com que muitas das inovações pareçam inseridas de forma tardia, como complementos em vez de transformações significativas. Em contrapartida, algumas modernizações acabam enfraquecendo a identidade estética que marcou o título original — especialmente sua atmosfera carregada de tensão e seu filtro sépia característico, que conferiam um charme singular à narrativa de espionagem.
Delta continua sendo Metal Gear Solid 3, mas é também um remake que suscita questionamentos: até que ponto vale refazer um jogo apenas para atualizá-lo visualmente? E, mais importante, o que realmente buscamos quando refazemos clássicos — preservar a memória ou reinventá-la?
Para começar, o novo visual de Metal Gear Solid Delta: Snake Eater funciona de forma excepcional quando aplicado aos ambientes. A selva é densa, vibrante e transmite uma sensação quase tátil: é possível praticamente sentir a umidade do solo enquanto Snake rasteja pela vegetação rasteira. A fauna está mais viva do que nunca, e cada cenário transmite um deslumbramento que reforça a imersão. No entanto, esse capricho visual tem um contraponto: os personagens. Eles caem em um estranho “vale da estranheza”, parecendo ao mesmo tempo realistas demais e artificialmente falsos, o que gera uma desconexão desconfortável.
Parte do encanto do Snake Eater original estava justamente na forma como transitava entre o cartunesco e o realista, criando um equilíbrio único. Os chefes eram o maior exemplo disso: figuras absurdas, porém inesquecíveis, como o homem que dispara abelhas como se fossem balas. Em busca do fotorrealismo, Delta acaba sacrificando essa essência mais fantasiosa, que ajudava a definir a identidade do jogo.
Outro detalhe que só percebi ao jogar Delta foi a importância do famoso filtro sépia lamacento do original. Embora fruto das limitações técnicas do PS2, aquele visual conferia ao jogo uma estética cinematográfica, evocando os rolos de filme e o clima sombrio da Guerra Fria. No remake, há filtros opcionais, mas nenhum consegue reproduzir o mesmo efeito ou transmitir a mesma atmosfera.
No fim, mesmo reconhecendo o impressionante nível de detalhe dos cenários, minha frustração com a direção artística de Delta acabou pesando na experiência.
O outro lado da equação em Delta é o novo estilo de jogo, agora com a câmera em terceira pessoa sobre o ombro — uma adição que, pessoalmente, me trouxe sentimentos mistos. É importante ressaltar que essa não é a única forma de jogar: o título também oferece o chamado modo “Legado”, que mantém exatamente a mesma câmera aérea utilizada no original de 2004. Ou seja, quem busca reviver a experiência clássica encontra ali uma recriação intacta.
Sob uma primeira impressão, a câmera sobre o ombro funciona bem. Os controles respondem de forma fluida, há diversas maneiras de abordar os encontros — seja se esgueirando pela selva ou partindo para o confronto direto — e tudo remete a algo mais próximo do que vimos em Peace Walker. Além disso, observar o mundo de Snake Eater por essa nova perspectiva é, no mínimo, fascinante. A selva ganha outra dimensão, e a sensação de imersão é reforçada. Considerando que se trata de um recurso opcional, o modo surpreende pela robustez. No entanto, essa novidade carrega consigo algumas limitações significativas.
Mais uma vez, a obstinação de Delta em permanecer fiel ao material original acaba comprometendo o potencial dessa proposta. A estrutura central do jogo não foi repensada para acomodar a nova câmera; trata-se, essencialmente, da mesma experiência, apenas apresentada de outro ângulo. O posicionamento dos inimigos, os encontros furtivos e até as batalhas contra chefes seguem inalterados.
Esse detalhe pesa, pois não há uma adaptação da mecânica à linguagem visual que a câmera exige. Em muitos momentos, torna-se mais fácil ser avistado, já que não existe uma representação clara do campo de visão dos inimigos — algo que se sente imediatamente ao testar a novidade. O mesmo vale para os chefes: alguns confrontos ficam desproporcionalmente fáceis, enquanto outros se tornam frustrantemente complicados. No fim, o que poderia ser um passo ousado em direção à modernização acaba soando como um experimento incompleto, preso entre a nostalgia e a inovação.
Metal Gear Solid Delta: Snake Eater se encontra em uma posição peculiar. Por um lado, compreendo a reverência quase religiosa ao original — afinal, estamos falando de um dos jogos mais aclamados de todos os tempos, criado por Hideo Kojima, que hoje já não tem qualquer envolvimento com a franquia após sua polêmica ruptura com a Konami. Esse peso histórico naturalmente gera cautela: como “mexer” em uma obra-prima sem comprometer aquilo que a tornou tão marcante?
Mas, por outro lado, fica a pergunta: qual é o real propósito de refazer Snake Eater se a intenção é manter tudo praticamente idêntico ao que já conhecemos?
Não seria justo dizer que Delta é um jogo ruim, porque, no fundo, ele continua sendo Metal Gear Solid 3 — ainda uma experiência brilhante, cheia de momentos memoráveis e com um design de jogo que envelheceu surpreendentemente bem. O problema é que, como remake, Delta faz escolhas que soam mais conservadoras do que ousadas, e isso mina sua própria relevância. Ele não oferece motivos fortes para revisitar esta versão em detrimento das já disponíveis, seja no PlayStation 2, nas coletâneas em HD do Xbox 360 ou até nas edições mais recentes em coleções remasterizadas.
Nos últimos anos, testemunhamos uma enxurrada de remakes — de Final Fantasy VII Remake a Dead Space, passando por tantas outras franquias icônicas. Era inevitável que a Konami buscasse também surfar nessa onda de nostalgia. Porém, à medida que mais jogos retornam com “novas” roupagens, fica cada vez mais difícil não questionar: estamos realmente preservando a essência desses clássicos ou apenas reciclando o passado em busca de lucro rápido?
Jogar Metal Gear Solid Delta ainda é uma experiência prazerosa, sem dúvida. Mas, no fundo, me pego refletindo se uma nova geração de jogadores conseguirá sentir o impacto que Snake Eater teve em seu tempo — ou se esta versão não passa de uma reverência vazia, incapaz de transmitir plenamente por que ele foi, e ainda é, tão crucial para a história dos videogames.